Deputada dos EUA nascida na Ucrânia surpreende colegas com críticas a Zelensky
Quando um grupo bipartidário de legisladores dos Estados Unidos visitou a fronteira da Ucrânia em março, uma convidada inesperada apareceu na viagem: a deputada republicana Victoria Spartz, do estado de Indiana.
Spartz, a primeira deputada ucraniana do Congresso dos Estados Unidos e defensora aberta de seu país natal, manifestou interesse em se juntar à delegação, mas não foi convidada a participar da viagem, que consistia principalmente de membros do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, que Spartz não integra.
Ela usou seus próprios recursos para voar até a fronteira da Ucrânia na Polônia e se juntou aos legisladores no local para participar de algumas de suas reuniões, de acordo com várias fontes familiarizadas com a situação.
Sua aparição surpresa, cujas circunstâncias não foram relatadas anteriormente, foi inicialmente vista como uma adição bem-vinda – embora incomum – já que os deputados procuravam reunir apoio ocidental para a Ucrânia em meio ao ataque sangrento da Rússia ao país, que havia começado uma semana antes.
Mas os membros que fizeram parte da viagem oficial disseram à CNN que Spartz foi “argumentativa”, “acusadora” e “inútil” durante as principais reuniões com membros da Otan, generais e funcionários de governos, despertando a preocupação de que sua presença estivesse fazendo mais mal do que bem.
“Ela era como um touro em uma loja de porcelana”, disse um parlamentar do Partido Republicano, que, como outros membros desta história, preferiu ficar em anonimato para falar mais livremente sobre um colega, e também devido à natureza sensível do assunto.
“Eu não sei se foi uma frustração reprimida ou se ela não sentiu que estava recebendo informações suficientes, mas ela foi apenas acusatória e rude”.
Spartz, em um e-mail para a CNN, rebateu as críticas anônimas sobre sua decisão e refutou a descrição de seu comportamento na viagem.
“Esta acusação é uma deturpação covarde dos fatos por parte de alguns membros ou funcionários invejosos, já que tivemos um movimento bipartidário muito produtivo em março”, afirmou Spartz.
“Eu não vim ao Congresso para ser paga por minhas férias ou jantares, mas sim para fazer as coisas. Sempre estive disposto a gastar meu dinheiro suado para ajudar nas causas que me interessam”, completou.
Essa frustração bipartidária sobre o comportamento de Spartz foi apenas o começo. Nos quase seis meses desde o início da guerra, ela criticou publicamente o governo ucraniano, promoveu alegações de corrupção contra o governo e alguns dos principais assessores do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e gerou reclamações de seus colegas de que ela está repercutindo pontos de discussão pró-Rússia.
“O presidente Zelensky tem que parar de fazer política e teatro e começar a governar para apoiar melhor seus governos locais e militares”, disse Spartz em um comunicado à imprensa no mês passado, em um exemplo de suas críticas francas a Kiev.
A deputada, uma empresária de 43 anos, insistiu repetidamente, publicamente e em particular, que quer que a Ucrânia vença e que só está criticando Kiev porque quer ajudar a remover quaisquer obstáculos potenciais à vitória ucraniana sobre a Rússia.
Ela diz que visitou a Ucrânia seis vezes desde o início da invasão e também criticou a Rússia de forma consistente, inclusive na última terça-feira (9), quando ela afirmou no Twitter que a Rússia deveria ser declarada um Estado terrorista.
Ainda assim, a retórica belicosa de Spartz dirigida a Zelensky e seus assessores frustra legisladores de ambos os partidos, assim como funcionários da Casa Branca e membros do parlamento ucraniano.
Eles se preocupam que ela esteja prejudicando seus esforços para permanecer unidos pela Ucrânia em um momento crucial, e questionam abertamente onde ela está obtendo algumas de suas informações, de acordo com entrevistas com mais de uma dúzia de legisladores, assessores e fontes do governo.
Enquanto isso, vários briefings do governo Biden e pedidos privados de republicanos seniores pouco fizeram para conter as críticas vocais de Spartz, disseram fontes.
Antes vista como um recurso crucial para disseminar informações, Spartz agora se tornou uma espécie de passivo para os falcões da defesa que já estavam preocupados com a fadiga nos Estados Unidos devido à guerra em andamento no exterior.
E suas críticas contínuas à Ucrânia também ocorrem em meio ao crescente ceticismo da ala mais ligada a Trump no Partido Republicano sobre manter armas e ajuda fluindo para o país.
“Como ela é a única deputada do Congresso nascida na Ucrânia, ela tem um megafone enorme, uma influência enorme”, disse à CNN a deputada Elissa Slotkin, democrata de Michigan e ex-analista da CIA. “Acho que há uma questão em aberto de por que ela está dizendo tão abertamente algo que está tão claramente alinhado com os pontos de discussão russos”.
A deputada ucraniana afirma que há muito se preocupa com a corrupção na Ucrânia. Mas os legisladores temem que suas críticas públicas possam minar a confiança em Zelensky, prejudicar as relações entre os Estados Unidos e a Ucrânia e dar aos políticos um motivo para se opor ao próximo pacote de ajuda à Ucrânia.
Alguns legisladores – mesmo aqueles insatisfeitos com sua retórica – saíram em defesa de Spartz, argumentando que ela é bem-intencionada e apenas desesperada para ajudar sua pátria natal, que está sendo destruída pela guerra.
Ela foi uma defensora vocal da legislação fundamental para acelerar a capacidade do governo de enviar armas e outros recursos críticos para a Ucrânia, participando da cerimônia de assinatura do projeto de lei com o presidente Joe Biden. E legisladores de ambos os partidos compartilharam de seus apelos por uma supervisão mais rigorosa das armas que chegam à Ucrânia.
“Ela fica emocionada. E acho que o que você está vendo agora é uma manifestação disso”, disse um segundo legislador do Partido Republicano. “O que estou tentando dizer a ela é que estou bem ciente do problema da corrupção”.
Spartz disse em um e-mail à CNN que ela está apenas buscando transparência e sempre obtém suas informações “do chão e de profissionais reais, não de acadêmicos e políticos que nunca puseram os pés na Ucrânia”. Ela afirmou ainda que era a “elite da política externa” – não ela – que estava fazendo o jogo do presidente russo Vladimir Putin.
“Também me importo profundamente com a vida das pessoas – a vida dos ucranianos comuns e dos bravos militares ucranianos. Não posso decepcioná-los, mesmo que isso signifique dizer verdades impopulares que ofendem os políticos ou divergem da narrativa popular do momento”, ressaltou a deputada.
“Nunca desistirei ou cederei, e farei tudo o que puder para ver uma Ucrânia unida e Vladimir Putin derrotado”.
Democratas e republicanos pressionam por uma mudança de postura
Mesmo que os legisladores expressem compreensão e simpatia pela situação de Spartz, os três principais republicanos do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, o Comitê de Inteligência e o Comitê de Serviços Armados pediram a ela que modere sua postura, de acordo com várias fontes familiarizadas com a situação.
“Todos nós conversamos com ela”, disse um terceiro legislador do Partido Republicano. “Ela está irritando as pessoas, porque prejudica a causa”.
A própria Spartz manifestou interesse em ingressar no Comitê de Relações Exteriores no próximo ano, segundo fontes. Mas, dado seu comportamento recente, alguns membros do Partido Republicano alertaram os líderes contra isso, com um legislador dizendo que ficaria “muito chateado” se ela recebesse essa atribuição.
Quando perguntada sobre a reação que ela recebeu dos principais colegas em torno de sua retórica e se ela está contribuindo para as campanhas de desinformação russas, Spartz respondeu que isso “não é verdade”.
“A liderança republicana tem apoiado e apreciado minhas demandas por responsabilidade e uma estratégia real para o esforço de guerra na Ucrânia”, disse ela.
Ela advertiu seus colegas por fazerem alegações anônimas sobre seu interesse no Comitê de Relações Exteriores. “Muitos membros do Congresso se comportam de forma imatura e são pouco sérios ao lidar com questões muito importantes”, disse.
O governo Biden também se envolveu. Spartz recebeu recentemente um briefing de quase duas horas de autoridades do Conselho de Segurança Nacional e do Departamento de Estado depois de solicitar um da Casa Branca sobre a Ucrânia, disseram fontes familiarizadas com a reunião à CNN, onde as autoridades analisaram suas alegações de comportamento impróprio dentro do país. O governo refutou as alegações e disse que não havia provas suficientes para apoiá-las.
Spartz solicitou ainda uma reunião com o general Mark Milley, presidente do conselho de chefes militares, para discutir suas preocupações, disseram as fontes. A reunião foi noticiada pela primeira vez pelo site Politico.
Quando eles se encontraram, ela novamente levantou preocupações sobre a corrupção na Ucrânia e alegou que as armas fornecidas pelos Estados Unidos não estavam indo para os lugares certos.
Milley não descartou completamente suas preocupações, relataram as fontes – autoridades americanas acreditam que a corrupção continua sendo um problema na Ucrânia.
Em uma ligação recente com colegas ucranianos, Milley, o conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan e o secretário de Estado Antony Blinken discutiram “a importância de a Ucrânia continuar a implementar sua agenda de reformas” em relação à corrupção, “apesar dos desafios causados pela guerra”, segundo um documento fornecida pela Casa Branca.
Em termos gerais, no entanto, Milley explicou a Spartz que suas preocupações eram exageradas, explicaram as fontes.
Spartz disse à CNN que seu encontro com Milley “não foi o meu primeiro” e que “eu lhe dou crédito por sua disposição de ouvir”.
“Acredito que ele entende os desafios de nosso esforço na Ucrânia, mas os políticos e o establishment da política externa estão tomando as decisões estratégicas, não os líderes militares”, afirmou. “Isso deve incomodar todos os americanos, pois esses são os que não sabem de tudo, que supervisionaram o desastre no Afeganistão e outros erros de política externa e enfrentaram zero consequências por isso”.
Vários dias depois de se encontrar com Milley, Spartz continuou seus ataques públicos a um dos principais assessores de Zelensky, acusando-o de “criar uma ditadura sob o disfarce da guerra em andamento”.
O líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, disse à CNN que não conversou em particular com Spartz sobre suas críticas ao governo da Ucrânia. Mas ele deu crédito à deputada por ser apaixonada pela questão e ajudar a chamar a atenção para a guerra – especialmente nos primeiros dias do conflito, quando Spartz fez um apelo público emotivo ao governo Biden por uma estratégia concreta para a Ucrânia durante um conferência de imprensa do Partido Republicano que ganhou ampla cobertura da mídia.
“A coisa que você precisa entender: ela tem família lá, ela é muito envolvida nisso”, disse McCarthy. “É muito pessoal”.
Preocupações com Spartz no exterior
Há também preocupação com o comportamento da Spartz no exterior. Slotkin disse que a deputada apareceu em várias reuniões e jantares quando esteve recentemente em Kiev e que na semana passada recebeu uma mensagem de texto de um membro do parlamento ucraniano dizendo que eles não sabem se Spartz está sendo “manipulada”, mas “ela arruinou sua reputação na Ucrânia”.
“Todos os líderes seniores estavam falando sobre isso. Eles estão chateados com isso”, informou Slotkin. “Eles não entendem por que ela está fazendo isso”.
Autoridades da Ucrânia ficaram cada vez mais alarmadas com a retórica de Spartz nos últimos meses, disseram fontes ucranianas à CNN, particularmente com seus ataques persistentes ao poderoso chefe de gabinete de Zelensky, Andriy Yermak.
Em tweets no mês passado, ela acusou Yermak de “governança antidemocrática” e disse que ele tinha uma “reputação negativa” globalmente. E em 8 de julho, Spartz enviou uma carta a Biden solicitando uma reunião especificamente sobre Yermak “e seus supostos negócios em conexão com a Rússia”.
As acusações de Spartz são semelhantes às relatadas pela Radio Free Europe antes da guerra, que alegava que Yermak tinha laços comerciais com a Rússia. Essa alegação foi usada pelos críticos de Zelensky para sugerir que Yermak pode estar muito disposto a ceder às exigências do Kremlin, principalmente após um controverso acordo de troca de prisioneiros em 2021. Não há evidências de que ele esteja sob o controle do Kremlin, no entanto, e ele negou a alegações.
Autoridades ucranianas questionaram as motivações de Spartz. Em mensagens de texto para um assessor de Zelensky em 24 de junho, Spartz se ofereceu para “conectar” o assessor “com as pessoas certas”, que segundo ela poderiam ajudar o exército ucraniano a vencer.
“Você quer que eu envie alguém bom para discutir o treinamento quando você voltar ou talvez ele possa se encontrar com Reznyk ou outra pessoa na próxima semana?”, Spartz perguntou, referindo-se ao ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov.
“Alguns deles também podem trazer alguns equipamentos muito avançados para você usar… ele fará isso como um favor para você e para mim, então teremos que manter essas reuniões fora dos registros oficiais”, escreveu Spartz.
Questionada sobre esses textos, Spartz disse à CNN que eles foram tirados do contexto e que ela “simplesmente tenta ajudar a fazer conexões para qualquer pessoa disposta a ajudar a Ucrânia a vencer a guerra, especialmente para alguns veteranos que podem dar conselhos gratuitos e imparciais como um favor a mim, já que eles são meus amigos”.
Ela acrescentou que “a insinuação de que tenho algum interesse financeiro é totalmente falsa. Estou gastando dezenas de milhares do meu próprio dinheiro para ajudar a Ucrânia. Os interesses financeiros de Yermak são os que merecem investigação”.
Autoridades ucranianas se ofereceram para marcar uma reunião entre Yermak e Spartz para esclarecer as coisas, mas ela se recusou a aceitar, disseram fontes. Spartz reconheceu que a reunião lhe foi oferecida depois que ela enviou a carta a Biden, mas depois o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia criticou seus ataques a Yermak como “cínicos” e “sem fundamento”.
“Eu decidi que esta reunião não seria produtiva nessas circunstâncias”, disse ela.
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Fonte CNN Brasil