Sono ruim afeta 65% dos brasileiros, principalmente mulheres

Imagem: sono Sono ruim afeta 65% dos brasileiros, principalmente mulheresOs brasileiros dormem muito mal, e a pandemia de Covid-19 pode ter contribuído para agravar ainda mais o problema. A conclusão é de um novo estudo, feito por cientistas da USP (Universidade de São Paulo) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e publicado na revista Sleep Epidemiology.

De acordo com a pesquisa, 65,5% da população relata problemas relacionados ao sono. As mulheres são as mais afetadas: respondem por um terço dos casos, um dado recorrente em outros estudos nacionais e internacionais. Sofrem muito também os viciados em mídias sociais, que não conseguem deixar de lado os smartphones nem na hora de ir para a cama.

O novo trabalho revelou também um dado inédito: um aumento dos problemas de sono entre homens jovens, o que costuma ser raro. Os cientistas dizem que mais estudos são necessários para entender o novo dado, mas acreditam que as incertezas trazidas pela pandemia podem ser uma razão.

“Nesse grupo (65,5%), estão incluídas as pessoas que têm distúrbios do sono, mas também outras que dormem mal pelas mais diversas razões, como estar acompanhado de alguém que ronca muito, por exemplo”, contou uma das autoras do estudo, Dalva Poyares. “Ou seja, não quer dizer que, necessariamente, todos eles tenham um problema de saúde.”

Os chamados transtornos do sono são, basicamente, apneia, síndrome das pernas inquietas, narcolepsia e, o mais comum de todos, insônia. Mas as pessoas podem ter um sono ruim por vários outros fatores, como explicam os especialistas, que podem ir desde depressão e ansiedade até um ambiente barulhento ou um colchão ruim.

No caso dos transtornos, lembram os médicos, existem tratamentos apropriados para cada uma das condições. Para problemas mais simples, o recomendado é seguir uma rotina de higiene do sono.

“Esse percentual (65,5%) não chega a nos surpreender”, afirmou o presidente da ABS (Associação Brasileira do Sono), médico do Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e o principal autor do trabalho, Luciano Dager.

“Vários fatores contribuem para isso, como estilo de vida, problemas financeiros, dificuldades de conciliar agendas, insegurança, ansiedade, depressão, obesidade, conectividade excessiva; ficamos até muito tarde nas redes sociais e nos streamings, mantendo o cérebro muito ativo e inibindo um padrão de sono melhor”, acrescenta Dager.

O novo trabalho mostrou que os fatores independentes mais citados como responsáveis pela qualidade ruim do sono são: o diagnóstico de insônia, o uso de mídias interativas pouco antes da hora de dormir e a ausência do parceiro na mesma cama. Isso mesmo, os brasileiros dormem pior quando não estão acompanhados.

“Quando temos essa situação de um parceiro dormindo em outra cama ou outro quarto isso pode significar algumas coisas: ou um deles tem um distúrbio de sono muito grave que precisa se isolar, ou há algum tipo de fragilidade no relacionamento, o que pode influenciar na qualidade do sono”, especula Dager.

“Vários estudos internacionais mostram que os divorciados, separados e viúvos dormem pior do que os casados”, lembra Dalva, “Dormir junto deve ter algum fator protetor, como confiança, que contribui para um sono melhor.”

Os médicos não sabem explicar direito por que, em geral, as mulheres são muito mais afetadas que os homens – um dado que se repete mais ou menos na mesma proporção em várias partes do mundo. Mas, há algumas hipóteses.

“Existem algumas características genéticas, a questão da menopausa, embora isso não esteja ainda totalmente estabelecido”, diz Dager. “Mas, acho que o principal é esse papel central da mulher na nossa sociedade, assumindo múltiplas atividades, cuidando da casa, das crianças, dos idosos, tendo uma carreira, atendendo às mais diferentes demandas numa sociedade machista, o perfil de ansiedade é mais frequente.”

Justamente o caso da fonoaudióloga Francine Broggio, de 49 anos, e da advogada Isabelle Machado, de 46 anos.

“Quando a minha mãe morreu, em fevereiro de 2021, comecei a ter problemas para dormir”, conta Francine. “Depois que tive Covid, a situação piorou ainda mais. Comecei também a ter crises de ansiedade generalizada. Estou tomando antidepressivos e também um remédio especificamente para dormir. Se não tomar, não durmo de jeito nenhum. E mesmo quando tomo, dependendo do dia, das preocupações que tenho, também não consigo dormir.”

“Em 2019 eu comecei a ter dificuldades para dormir, tinha falta de ar, chegamos a achar que poderia ser apneia do sono, mas isso acabou sendo descartado. O diagnóstico foi de ansiedade mesmo”, diz Isabelle. “Tinha medo de dormir e ter falta de ar; comecei a fazer terapia. Não posso ficar no celular nem na televisão. E uso música clássica para dormir.”

Embora a coleta de dados para o novo trabalho tenha ocorrido bem no início da pandemia no Brasil, diferentes aspectos, como problemas econômicos, podem ter tido um impacto na qualidade do sono, especialmente para os homens mais jovens, segundo o estudo.

“Até 8 de abril de 2020, uma semana depois do fim da coleta de dados, um total de menos de 16 mil casos de Covid-19 tinham sido diagnosticados no país. No entanto, o período de estudo coincidiu com a adoção de medidas restritivas. Além disso, outros estudos já tinham demonstrado o impacto da pandemia na qualidade do sono”, ponderam os pesquisadores no estudo.

O sono é fundamental para a saúde física, o bem estar, a performance cognitiva e o funcionamento diário mais básico. Pessoas que não dormem bem têm mais tendência a apresentar problemas cardiovasculares e obesidade.

O número total de horas de sono necessárias varia de indivíduo para indivíduo. Alguns precisam de até dez horas, enquanto outros ficam bem com seis horas. Com menos de seis horas de sono, explica Dalva, ainda que a pessoa se sinta bem, já há um impacto na saúde.

“O sono é um estado ativo, não é um desligar completamente como as pessoas pensam”, afirma Dalva. “Muitos processos acontecem durante o sono, como o repouso do sistema cardiovascular; a pressão arterial diminui, a frequência cardíaca baixa, as artérias relaxam. O sono é importante também para o metabolismo, a secreção de insulina é alterada nesse período, é quando temos o pico de produção do IGH, o hormônio do crescimento, aumenta a produção de melatonina. E é também durante o sono que o cérebro varre o seu lixo metabólico para fora do organismo, faz uma faxina.”

Detalhes da pesquisa

O estudo ouviu 2.635 pessoas em todas as regiões do país. Para definir a qualidade do sono dos entrevistados, os pesquisadores usaram um questionário padrão que inclui seis diferentes dimensões para definir o padrão de sono (número de horas dormidas, continuidade do sono, regularidade, qualidade, regularidade de horários e alteração entre estados de alerta e de sono). Cada uma dessas dimensões é relevante à saúde, de acordo com o trabalho.

Um outro estudo feito nacionalmente em 2014, com 2.017 participantes de todas as regiões do Brasil, já indicava o problema: 76% dos entrevistados relataram pelo menos uma reclamação sobre a qualidade de seu sono.

Entre as mais citadas, estavam sono leve (27%), ronco (25%), horas de sono insuficientes (23%), excesso de movimentos durante o sono (22%) e insônia (21%). Outras reclamações foram bem menos prevalentes, como sonambulismo (1%), interrupção da respiração (3%), urgências urinárias (5%), pernas inquietas (6%) e bruxismo (7%).

Higiene do sono

Para ter uma boa noite de sono, os especialistas recomendam para todos ter sempre um horário similar para ir para a cama, respeitar o número de horas de sono de que seu corpo necessita, dormir em um ambiente silencioso e escuro, ter um colchão confortável.

Para quem apresenta dificuldades para pegar no sono ou manter o sono, especialistas recomendam o que chamam de higiene do sono; uma preparação que começa pelo menos duas horas antes do horário de ir para a cama.

– Não comer logo antes de dormir. O recomendado é fazer uma refeição leve pelo menos duas horas antes de se deitar.

– Desligar o celular, o computador, o tablet e os streamings pelo menos duas horas antes do horário de dormir. Eles mantêm o cérebro em alta atividade, sobretudo as mídias sociais, em que há interações ativas.

– Não é recomendado preparar a agenda do dia seguinte antes de dormir, ou dar a início a discussões mais sérias como o parceiro/a. Essas também são ações que mantêm o cérebro em alta atividade.

– Garantir um ambiente escuro, silencioso, confortável e com temperatura apropriada.

O presidente da ABS, Luciano Dager diz que, embora muitas pessoas gostem de recorrer a chás caseiros e alguns fitoterápicos, não há comprovação científica de que eles, de fato, tenham algum efeito positivo sobre o sono. O mesmo se aplica aos suplementos de melatonina, cuja comercialização acaba de ser liberada no Brasil.

 

Fonte Agora MT

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